O HORROR DAS PRISÕES OU“ O
LOBO DO HOMEM”
Elson
Araújo
Uma bomba se estabelece hoje
nos presídios brasileiros abarrotados de presos. A estimativa, segundo o
Conselho Nacional de Justiça-CNJ- é de pelo menos 550 mil homens e mulheres presos aguardando o
cumprimento de pena, ou mesmo serem
sentenciados. Um exército sem causa sonhando todos os dias com a liberdade,
mesmo forçada, traduzida em incontáveis
rebeliões quase sempre tendo como resultado cenas de barbárie, como essa ocorrida na última quarta-feira (9) na Penitenciária Agrícola
de Pedrinhas com nove mortos confirmados.
O entendimento dos
especialistas é unânime: o sistema penitenciário brasileiro
caminha para o colapso. São vagas de menos para presos demais. A situação é tão
grave que o próprio ministro da Justiça José Eduardo Cardozo já chegou a afirmar
que prefere morrer a cumprir pena nos presídios brasileiros, comparando-os a
"masmorras medievais”. Talvez nesse
momento o ministro tenha se lembrado do sempre
atual Cesare
Beccaria que no seu Dos Delitos e
das Penas, obra do século XVIII, já definia as prisões como “horríveis mansões
do desespero e da fome”, definição que bem pode ser aplicada á situação dos presídios do Brasileiros.
No Brasil é assim: quando
o Estado não mata, por meio de sua
Polícia para sufocar as rebeliões e
tentativas de fugas ( vide o massacre do Carandiru) eles mesmos ( os presos)
submergem-se num processo autofágico numa aparente luta pela autopreservação: matar para não morrer. Tudo indica que foi isso que teria ocorrido essa
semana,mais uma vez, na Penitenciária
Agrícola de Pedrinhas com o
enfrentamento das facções criminosas “bonde dos 40” e o chamado primeiro
comando do Maranhão (PCM). Resultado do confronto:nove mortes, nove a menos do
que na rebelião de novembro de 2010 quando foram assassinados 18,
muitos decapitados.
Esse enfrentamento nos remete a
Thomas Hobbes no seu Leviathan quando
defendia que a primeira lei natural do homem é da autopreservação que o induz a
impor-se sobre os demais. Estaria ele certo?
Para Hobbes a vida
seria uma guerra de todos contra todos, na qual o homem seria o lobo do homem.
No contexto de sua época o
autor se referia à origem do Estado, mas
numa linguagem moderna tal ideia se
manteria atual se for considerado o atual momento pelo qual passa o sistema
prisional brasileiro. Repita-se: são 550 mil homens ou mais, que um dia
voltarão para a sociedade mais lobos do que homens.
Esse episódio de Pedrinhas
da ultima quarta-feira fatalmente nos remete a outro não menos bárbaro ocorrido não faz muito
tempo e que ficou conhecido como “o massacre de Pinheiro” evento que mostrou para o Brasil e o mundo um fragmento da situação do nosso sistema
prisional. Uma tentativa de fuga frustrada, na noite de uma segunda-feira, na
cidade de Pinheiro e que acabou numa
tragédia que poderia ter sido evitada. Na rebelião os presos mataram e decapitaram seis colegas.
Pelo que se apurou na época os
presos já haviam emitidos sinais de insatisfação por conta das péssimas
condições da cadeia onde estavam depositados.Tirando um ou outro exagero todas,
as reivindicações, antes do massacre, feitas pelos cauteladoseram justas e previstas
na Lei de Execuções Penais (LEP). O sistema fez ouvidos moucos, ignorou os
lobos ali ergástulados e o resultado foi o que se viu,e que continua sendo
mostrado até hoje para todo mundo via
rede mundial de computadores. Cabeças
separadas dos corpos entulhados no pátio da cadeia. Uma cena mais forte do que
as de um filme de terror.
No nosso ordenamento jurídico contamos com
uma lei, a Lei de Execuções Penais, que se fosse aplicada poderia pelo menos
diminuir tensões nos presídios. Em se
tratando do Maranhão, segundo dados do Sindicado de Agentes Penitenciários
publicados na imprensa, de 2007 até 2012
foram registradas 103 mortes só nos presídios da capital. Este ano, com os nove
que tombaram no massacre do nove de outubro, já são 37. Uma verdadeira tragédia;
mas como já dizia Beccaria, “nossos costumes e nossas leis retrógradas estão
muito distantes das luzes dos povos”.
Clara é a falência do sistema prisional brasileiro já
que episódios como os mencionados não são uma exclusividade do Maranhão. O pior
de tudo é que, em que pese as
tratativas e leis para modernizar o sistema carcerário com o objetivo de esvaziar as cadeias, a médio e
longo prazo não se vislumbra uma solução,
pelo menos paliativa para o enfrentamento desse problema. São 550 mil presos, repita-se, aos quais
o sistema aguarda que se juntem mais 350 mil, que é o número estimados de mandados de prisão expedidos pela Justiça
Brasileira, aguardando cumprimento.
O mais traumático nessas
rebeliões com mortes é a frieza como a sociedade as assimilam. Não há comoção
popular manifesta. É como se nada tivesse
ocorrido. A repercussão é maior no exterior do que nas quatro linhas do País. A sensação
que fica é de que a pilha de presos mortos não tem qualquer significado para a
sociedade.
“O homem apenas é cruel por
interesse, por ódio ou por medo” dizia Beccaria. No caso das rebeliões
percebe-se que se estabeleceram os três itens: interesse dos presos de chamar
atenção para a situação de calamidade estabelecida na cadeia, o ódio do sistema e dos rivais e o medo de morrer.
O marquês de Beccaria num
trecho da sua clássica obra talvez explique essa frieza como a sociedade
brasileira vem absorvendo esses episódios
ao escrever que “ o coração humano não é capaz de sentimento inútil;
todos os seus sentimentos são resultado das impressões que os objetos provocam
sobre os sentidos”. .
As cenas de barbárie, dentro e fora das
cadeias, tornaram-se tão triviais que, o
que sentia-se ontem, não se sente mais
hoje.
Sem uma solução plausível
para a crise no sistema prisional, nas cadeias brasileiras a triste constatação:
o homem continuará a ser o lobo do homem
fazendo prevalecer, a cada dia, o extinto da autopreservação que o autoriza a
matar, decapitar e buscar constantemente a liberdade, mesmo que forçada.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA.
Beccaria,
Cesare. Dos Delitos e das Penas.Tradução de Torrieri Guimarães. Texto Integral.
São Paulo, Martin Claret, 2000.