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Jornalista Elson Araújo
Era o dia 23 de um chuvoso fevereiro. Na casa de palha, no meio da roça, á luz de lamparina, era goteira pra todo lado. O nascimento não foi nada fácil. Diferente dos outros dez filhos de Maria Concebida.
Suada, e molhada, pelos pingos d’água que caíam naquele quarto de chão batido e paredes de palha; nervosa, a velha parteira Maria da Piedade dava vozes de comando para a filha fazer força para o menino nascer logo. Concebida fez um barrigão danado e tava sofrendo muito.
O menino era grande e, nas contas da velha parteira, passando da hora de nascer. Concebida gritava de dor. “Gueta firme filha, ele já tá vindo”.
O menino nasceu mudo; o choro não veio junto com ele. A bênção é que a experiente parteira, mesmo sem enxergar bem, percebeu que o cordão umbilical o sufocava. Agiu rápido. Fez o que tinha de ser feito para salvar o neto, deu umas duas palmadas na bunda dele e, logo veio o choro.
“O Policarpo nasceu! ” gritou a parteira ao restante da família que aguardava, ansiosa, do lado de fora do quarto. Pena que a alegria durou pouco. Concebida não resistiu. Tinha morrido antes de ouvir o choro tardio do filho. Logo, Policarpo ganhou a fama de ter matado a mãe no parto. Carregou esse estigma até quando cresceu.
O nome Policarpo não era por acaso. Além de ser o dia do santo, morto na fogueira em 155 Depois de Cristo, era costume, naquele tempo, quem nascia com o cordão laçando o pescoço, receber logo o nome de um santo da Igreja Católica e, de preferência o do dia, no caso São Policarpo. Seria o presságio de uma vida de sofrimento e de azar? Só o tempo iria dizer.
Com o trauma de a mãe ter morrido no seu nascimento, potencializado pelos outros irmãos, Policarpo se tornou um adulto triste. Pôs na cabeça que nada dava certo para ele. Já carregava consigo as marcas de um braço quebrado , três mordidas de cobra e uma cicatriz na cabeça, resultado de uma pedrada de badogue dada por um vizinho quando ainda tinha 15 anos. Além de tudo, as pessoas achavam estranho o nome dele e logo vinham as gozações .
Não aguentava mais aquela vida de agruras e decidiu fugir de casa. Mal assinava o nome. O que tinha aprendido até aqueles dias de seus 25 anos era brocar. Era bom com uma foice. Acreditava que era o suficiente para ganhar o mundo. Para trás deixou uma única frase para o irmão do meio, antes de pegar a pé, a estrada. O mano era o único que sabia do plano de fuga: “Só volto, rico! ” disse ele antes de sair madrugada adentro.
Chegou á sede do povoado onde morava no pingo do meio dia. Tinha caminhado pelo menos umas três léguas. Os pés estavam em carne viva e a fome e a sede lhe devoravam. Sentou debaixo da sombra de um pequizeiro para descansar e pensar no que ia fazer da vida dali pra frente.
A mulher do maior comerciante do lugar que passava por ali vendo a situação do rapaz se aproximou puxou conversa se compadeceu com a história dele e lhe ofereceu água e comida. Será se a sorte começava a sorrir para Policarpo?
O que aquela mulher tinha de bondade o marido dela tinha de ruindade e viu em Policarpo uma mão de obra escrava a ser explorada em sua fazenda a 1000 quilômetros dali, mata adentro.
- Se preocupe não, meu rapaz! Você terá comida e ainda vai ganhar um dinheirinho no fim do mês. Amanhã te levo pra minha roça.
- Obrigado, moço. O senhor é homem, muito bom. - Agradeceu Policarpo.
Cinco meses depois o jovem Policarpo estava com uma jornada de trabalho cavalar. Acordava às 5 da manhã começava a brocar às 6 horas, um intervalozinho para comer um feijão cheio de ranço e gorgulho, com um arroz, que parecia uma papa gosmenta, por volta da uma da tarde, e só parava a lida depois das sete das noite.
Desde que chegou naquele lugar para desmatar a fazenda de seu “benfeitor” nunca viu um tostão furado. Havia sempre uma desculpa qualquer do mal encarado capataz, sempre armado com um revólver 38, cano longo.
Um dia no intervalo do almoço Policarpo pensou: Vou embora daqui. Isso aqui não é vida. Além do mais estou com saudade da minha família; vou receber o que me devem. Quero voltar para casa!
No final daquele dia, depois de ter conversado com o capataz, Policarpo foi dormir feliz. Tinha recebido a garantia de receber os atrasados e mais uma gratificação pelos seus esforços. O pagamento lhe seria feito na manhã seguinte.
Vou comprar uns bezerrinhos e começar minha criação de gado com meus irmãos, dormiu pensando o jovem Policarpo.
Bem cedo, Policarpo foi acordado por dois homens que trabalhavam com o capataz da fazenda.
- Como é seu último dia aqui, o Trindade pediu para te oferecer um quebra jejum mais decente. Tá, aqui, leite, bolo de puba, ovo e farofa de galinha. Come aí que ele está te esperando lá na sede para fazer teu pagamento.
Policarpo se encheu de orgulho e felicidade. Ia voltar para casa muito melhor do que saiu. Ia ser respeitado por todo mundo. Vida nova. Sentia-se um vitorioso.
Comeu, como nunca tinha comido. Nada sobrou.
Se preparava para mais uma golada de leite quando começou a passar a mal. Se levantou, tentou se segurar no punho da rede em que dormia, mas logo caiu babando. A comida tinha sido envenenada pelos jagunços da fazenda. Estava tudo temperado com veneno de rato.
Policarpo não ia voltar para casa, não receberia os cinco meses de salário, foi enganado pelo seu “benfeitor”. Morria, numa manhã chuvosa do dia 23 de fevereiro, dia do seu aniversário, dia do Santo que lhe deu o nome e que morreu queimado no ano 155 D.C.
Até os dias de hoje os familiares de Policarpo aguardam pela sua volta acreditando que, de fato, ele tenha ficado rico em algum canto perdido desse Brasil. (Viste o blog: http://solidaodasletras.blogspot.com/).